Grandes nomes são os que, passadas gerações, mantêm o reconhecimento à sua contribuição histórica e a atualidade do modelo de sociedade que ajudaram a criar. Rui Barbosa é um deles. No centenário de sua morte, lembrado nesta quarta-feira (1º), seguem atuais suas contribuições para o direito, a política, a academia e o jornalismo.
Apesar de ter brilhado em todas essas áreas, Rui Barbosa pode ser destacado como advogado, responsável pela edificação dos valores da República, defensor da independência do Judiciário e do sistema de freios e contrapesos a nortear a relação entre os Poderes. São lições relevantes para o atual momento do Brasil.
A atuação de Rui Barbosa como o grande advogado dos princípios e valores da Constituição de 1891 e do regime por ela inaugurado, a República federativa, é indissociável do contexto social e político da época. Antes de ser um republicano, ele era um federalista convicto. Em diversas ocasiões, disse que se afastou da monarquia porque ela resistia à Federação. Ele percebeu, na República e na nova ordem constitucional, a melhor oportunidade para implementar o federalismo.
Barbosa foi responsável por grande parte do texto da primeira constituição republicana do Brasil e se tornou uma espécie de fiador do novo regime. Avocou a função de garantidor das liberdades e dos princípios que refundavam a nação —especialmente, a separação dos Poderes, o Estado democrático de Direito, as garantias individuais face ao arbítrio estatal, a primazia da Constituição e o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da Carta.
Nosso patrono denunciou os abusos do general Floriano Peixoto, que insistia em ignorar a previsão constitucional de novas eleições após a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca. Rui Barbosa foi audaz crítico de todos os que se contrapuseram à Constituição, sem se importar com o cargo ou a patente que ostentavam. Impetrou dezenas de habeas corpus nos quais defendia os direitos dos que, injustamente, eram privados de suas liberdades e também as garantias individuais e os pilares do Estado republicano.
Os estudos e análises sobre a obra e sobre o próprio Rui Barbosa são numerosos. Não pense o leitor, no entanto, que tais apontamentos dizem respeito apenas aos temas e teses jurídicas que reverberam ainda hoje nas cátedras das faculdades de direito, nos fóruns e na teoria constitucional como um todo.
O lado humano é revelado em pequenas confusões, como a dúvida entre sobre a correta grafia: Rui ou Ruy. O registro de nascimento do mestre, em 5 de novembro de 1849, em Salvador, usa a forma com “y” –Ruy Barbosa de Oliveira.
Ruy ou Rui, advogado primeiro da Federação e construtor dos alicerces jurídicos da República brasileira, segue atual e necessário. Seu nome se confunde com o irrestrito respeito à Constituição, à independência entre os Poderes e ao Estado democrático de Direito, garantidor de nossa convivência como seres sociais.
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, é presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, ex-presidente nacional da instituição (2013-2016) e autor de “Ruy Barbosa – O Advogado da Federação e da República” (ed. Migalhas)
Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo