Nem em meus maiores pesadelos eu imaginei que algo que estudamos tanto, dedicando tempo e trabalho com a cooperação de centenas e talvez milhares de profissionais, poderia se tornar um pesadelo.
A Revisão da Vida Toda, que mais parece um nome de provocação, tomou pouco mais de 1/3 de todo meu período de vida, tendo em vista que opero há 18 anos neste segmento, como contador atuante em Direito Previdenciário, e eu só não falei sobre este assunto em apenas 3 anos deste período todo de experiência. Portanto, posso afirmar que neste período, tenho ouvido barbáries a respeito desta revisão.
Sem levar em consideração ainda, a quantidade de pessoas, milhares e milhares de idosos, aposentados, pensionistas e segurados da Previdência Social que não conseguiram ou não conseguirão esperar o fim deste tormento, sucumbindo antes do tão esperado Trânsito em Julgado.
Esta tese busca beneficiar o segurado que contribuiu para a Previdência Social “uma vida toda”, porém somente suas contribuições recolhidas no período de julho /1994, até a data de sua aposentadoria é que seriam consideradas no cálculo do seu benefício.
Isso mesmo, pasmem, todas as contribuições vertidas para o INSS, anteriores a julho/94 não foram utilizadas, e sim, desprezadas, trazendo prejuízo ao segurado que possuía os maiores salários desta época.
Em 2010, escrevi, juntamente com minha colega, Dra Elisangela Cristina de Oliveira, advogada, militante no Direito Previdenciário, um livro chamado “ Revisão Previdenciária do Mínimo Divisor , publicado pela Ed. Juruá “ que tratou exatamente desta forma de cálculo e o quanto ela reduz o benefício que uma pessoa pode receber após uma vida toda de trabalho.
Naquela época já ficou claro que se mais vantajoso, o cálculo de todo o período contributivo é que deveria ser aplicado, quando da concessão da aposentadoria, vindo este mesmo entendimento, a ser sedimentado pelos próprios Tribunais, como veremos adiante.
Tudo caminhava ao passo lento, porém firmes das decisões judiciais, da primeira decisão que participamos ativamente na Turma Recursal de Curitiba, até o Incidente do TRF4, passando pela TNU (Turma Nacional de Uniformização) até a pacificação do Tema 999, no STJ. A revisão se firmava como uma esperança aos aposentados, mesmo que poucos viessem a ter direito, mesmo assim, a simples expectativa preenchida nos olhos de cada cliente, de ser um dos agraciados ao cálculo favorável, acalentava nossos corações. Era emocionante apertar as mãos de cada aposentado lhes desejando sorte antes de efetuarmos seus cálculos. Contudo, de uns tempos para cá, passamos a ter medo quando nosso telefone toca, pois sabemos, pelos últimos dígitos de cada número, qual o nome daquele cliente aflito que está a nos ligar. É triste, constrangedor, e prejudicial para todos os profissionais explicarem o que aconteceu. Tente imaginar:
Sabe o que é, depois de muito trabalho; depois de muitos anos passando por todas as instâncias; depois da vitória espetacular no STJ; depois do Recurso ao STF; depois do Voto Magnífico do Relator ao Nosso favor, onde o INSS, em desespero, apresentou dados irregulares no processo que não traduz a verdade; depois dos intermináveis pedidos de vistas para que os Ministros pudessem estudar o caso, a autarquia conseguiu convencer alguns Ministros a votarem contra e o tema ficou empatado. Neste intervalo, o Ministro que votou se aposentou, mas até aí, tudo bem! Ele já tinha votado do nosso lado, a questão era o empate, pois precisávamos desempatar, e no dia do julgamento o voto final pertencia ao então Presidente da Suprema Corte, Ministro Alexandre de Moraes; todavia, como numa final da Copa do Mundo, seu resultado estava prestes a sair … de repente (Gooool) desempatamos! Era morte súbita, gol de ouro, não tinham como voltar atrás. Mas…. como dizia Pedro Malam, “No Brasil até o passado é incerto”.
Pouco depois do término do julgamento, “ao apagar das luzes”, alguns minutos antes dos últimos corredores do Supremo ficarem às escuras, um Ministro recém-indicado pelo P.R. apresentou um documento com algo que eu se quer conhecia e acho que na verdade, a maioria das pessoas nunca havia ouvido falar, houve um tal PEDIDO DE DESTAQUE. Parando para estudar a bizarrice desta ferramenta, descobrimos que ela “resetava” tudo, que teriam que começar tudo do zero.
Então, basicamente, é isso que temos que explicar para as pessoas! É isso que vários profissionais vêm escrevendo, gravando vídeos, lives, entrevistas, etc. Estão todos interessados no assunto tentando dar sentido a algo que não faz o menor sentido, apenas para acalmar os clientes já cansados e desesperançosos, desanimados e abatidos, como se nós que lutamos todas essas lutas assim também não estivéssemos.
Mas como eu disse no início, “o que era sonho de muitos e acabou neste pesadelo”, pode sim se transformar em sonho! Háaa essa tese, nunca vi em 18 anos de profissão nada igual, depois de algumas polêmicas e comentários totalmente desnecessário, do Governo, baseado em uns dados piores que os anteriores, oficialmente apresentados; depois de algumas declarações que transformaram um direito fundamental conquistado através de contribuições em prejuízos; depois de falarem o que não devia e como sempre jogar a culpa toda nas costas dos aposentados, estes que contribuíram para este país às custas do seu suor, às custas de uma das maiores e mais perversas cargas tributárias do planeta, mas que sempre foram e continuam sendo tratados como um problema, como um estorvo, então após isso tudo e muito mais…
Em uma quinta-feira qualquer, no mês Junho, no ano de 2022, mais precisamente dia 09, final da tarde, um Ministro do STF levanta uma questão de ordem em um julgamento totalmente fora do tema da Revisão da Vida Toda. Do nada, ele suscita que os colegas colaborem em uma solução das desconsiderações da anulação dos votos dos Ministros Aposentados nos processos que tenham destaque. Segundo ele, e todo o nosso ordenamento jurídico, isso poderia ferir uma série de princípios, entre eles o da Segurança Jurídica. Assim sendo, mais que prontamente, 8 (oito) Ministros votaram de forma favorável à PERMANÊNCIA dos votos dos Ministros Aposentados, e pasmem, sabe aquele Nobre Ministro que tinha pedido destaque no caso da Revisão da Vida Toda? Ele concordou na manutenção do voto, ou seja, caso o julgamento seja reiniciado, o resultado já seria 1x 0 para os aposentados, bastando que os 5 (cinco) outros Ministros que votaram antes, permanecessem com a mesma opinião.
No entanto, o sonho pode terminar sem mais tortura, afinal já são muitas…
Pois bem, no meio da sessão, um dos Ministros cogitou se caberiam destaque em Julgamentos onde todos os Ministros já teriam votado, e mais, um deles disse ainda que a tal resolução onde consta o tal destaque deveria ser aperfeiçoada e o Ministro que pediu destaque poderia desistir se quisesse, pois no texto atual, isso nem era permitido, e dentro da maior obviedade e legitimidade possível, o atual Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, pediu para os Ministros que fizeram as tais sugestões, enviassem para o seu gabinete, com a máxima urgência, os textos sugeridos para que botasse fim a essa bizarrice.
Então neste momento, o que pode acontecer se houver o consenso e o bom senso de todos é que o próprio STF poderá, nos próximos dias ,alterar a resolução, retirando a possibilidade do destaque das ações com 11 votos.
Contudo, como o Ministro Kassio Nunes Marques já solicitou o tal destaque, antes da existência desta norma, ele poderá, se estiver previsto na resolução, pedir desistência do seu pedido, sendo necessário então apenas a proclamação dos votos, esta seria sem dúvida a atitude correta e mais acertada.
Mario Kendy Miyasaki é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC-PR, técnico em contabilidade pelo Instituto Monitor Paraná. É diretor geral e sócio-fundador da Previcalc – Cálculos Previdenciários.
Produção bibliográfica
Artigos completos publicados em periódicos
- MIYASAKI, M. K.; FERNANDES, A. P. Atividades Concomitantes – Fundamentos Constitucionais e Teses de Revisão. Obra Previdência Social Nos 90 Anos da Lei Eloy Chaves – v. 1, p 121 – 146, 2013 Editora Juruá.
- MIYASAKI, M. K.; FERNANDES, A. P. . Controvérsia nas Execuções de Sentenças Previdenciárias. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 01, p. 44-82, 2013.
- MIYASAKI, M. K.; OLIVEIRA, E. C. . A Sistemática de Cálculo da Aposentadoria por Invalidez após a Recente Decisão do STF. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 01, p. 28-49, 2012.
- MIYASAKI, M. K.; OLIVEIRA, E. C. . Revisão do Mínimo Divisor pela Interpretação do § 2º do Artigo 3º da Lei 9.876/99. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, v. 1, p. 118-138, 2010 .