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Reforma tributária e desigualdades regionais

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Não é de hoje que escuto discursos enfáticos a respeito da necessidade de uma mudança no Sistema Tributário Nacional (STN), no sentido de lhe imprimir uma maior justiça fiscal, alcançável mediante introdução de novas normas que: (i) tragam simplicidade; (ii) promovam racionalidade; (iii) acresçam transparência; (iv) confiram segurança jurídica; (v) reduzam privilégios setoriais; (vi) mitiguem a regressividade social; e (vii) tratem precisamente dos novos modelos de negócio da economia digital.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já foi objeto de várias alterações em matéria tributária, a exemplo daquelas que vi serem implementadas através da edição das Emendas Constitucionais (ECs) nº 03/1993, 20/1998, 27/2000, 29/2000, 33/2001, 37/2002, 39/2002, 42/2003, 44/2004, 55/2007, 56/2007, 59/2009, 68/2011, 75/2013, 84/2014, 87/2015, 93/2016 e 103/2019.

Lembro também de outras tantas Propostas de Emenda Constitucional (PECs), tais como aquelas de nº 175/1995, 41/2003, 31/2007 e 233/2008. Contudo, jamais vivenciei de perto contexto tão peculiar de discussões legislativas com pretensões de “Reforma Tributária”.

Alguns fatos me levam a crer estarmos atravessando um momento singular, que reclama maiores estudos, reflexões e, sobretudo, prudência. São eles: (a) a existência de projetos político-ideológicos plurais voltados à modificação do STN, como evidenciam a concomitância entre PEC nº 45/2019, PEC nº 110/2019, Proposta “Fatiada” do Governo Federal e Movimento “Simplifica Já”; (b) a abrangência e profundidade das alterações pretendidas, cujas repercussões são proporcionais ao número de “Emendas” à PEC nº 45/2019, que em meu último levantamento já somam mais de duas centenas; e  (c) o cenário de crise que a pandemia impôs, cujos danosos efeitos para a economia já são por demais evidentes, porém ainda imensuráveis e sem prazo determinado para desaparecerem.

A PEC nº 45/2019, sobre a qual me propus a trazer algumas reflexões, inaugurou os debates a respeito da real necessidade da implementação de alterações constitucionais tão severas, que alguns acreditam ser demasiado invasiva e cujas finalidades poderiam ser alcançadas por modificações pontuais de caráter infraconstitucional e, em alguns aspectos, até mesmo no âmbito infralegal.

Algo que, de imediato, torna a PEC nº 45/2019 sedutora é a instituição do um único Imposto – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – para substituir outros 5 (cinco) tributos (IPI, ICMS, ISSQN, COFINS e Contribuição para o PIS) com caráter de não-cumulatividade ampla.

Porém, o desejo de protagonizar a construção de um capítulo com vocações históricas vem levando nosso Parlamento à acelerar o trâmite legislativo de uma PEC nascida em uma conjuntura que não previa o advento de uma crise econômica que já ocasionou o fechamento de centenas de milhares de pessoas jurídicas e elevou a taxa de desemprego a patamar preocupante.

Isto reforça a necessidade de se debater e estudar profundamente a conveniência e os impactos da pretensão de uniformidade nacional do IBS, que proibirá os entes federados de formularem políticas fiscais de natureza desonerativa, tais como isenções, reduções de base de cálculo, outorga de créditos e alíquotas seletivas.

Preocupa-me, sobretudo, a possibilidade de isto afetar negativamente os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que em grande medida conseguiram atrair investimentos e fomentar negócios, gerando emprego e desenvolvimento mediante instituição de incentivos e benefícios de ordem tributária.

Ora, a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB/88) cresce na proporção em que se caminha rumo ao ideal do pleno emprego. A geração e a manutenção dos postos de trabalho, inclusive, muito contribuem para a concretização de um dos caros objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a redução das desigualdades regionais (art. 3º, inciso III, da CRFB/88).

Ademais, pode-se dizer que a redução das desigualdades regionais é meio para a promoção da isonomia material das pessoas políticas de direito público interno, fortalecendo assim a cláusula pétrea do princípio federativo (art. 1º, caput, da CRFB/88). Não por outra razão, a Assembleia Nacional Constituinte autorizou que a União mitigasse a uniformidade geográfica da tributação para conceder “incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País” (art. 151, inciso I, da CRFB/88) e, mais adiante, alçou a “redução das desigualdades regionais e sociais” a princípio da ordem econômica (art. 170, inciso VII, da CRFB/88).

Alguns podem até contra-argumentar, afirmando que remanescerá a possibilidade de Estados e Municípios lançarem mão de subvenções. Mas, não se sabe até que medida: (i) eles terão “caixa” para tanto; (ii) seus contextos políticos admitirão proposições nesse sentido; e (iii) o Poder Judiciário poderá interpretará esta saída como um mecanismo indireto de redução da carga tributária, em burla à vedação da “concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros”, para fins da redação proposta do art. 152-A, §1º, inciso IV, da CRFB/88 pela PEC nº 45/2019.

Portanto, penso desenganadamente que o presente momento deve se voltar à amplificação dos debates e promoção de estudos técnicos voltados à estimativa dos impactos econômicos e sociais, sobretudo para os Estados e Municípios situados nas regiões menos abastadas do nosso país de dimensões continentais e características tão heterogêneas.

Em poucas palavras, a pressa deve ceder espaço ao comedimento, a ansiedade haverá de ser compensada pela ponderação. Não é momento de “trocar o certo pelo duvidoso” e realizar “apostas” em um momento tão delicado de nossa história. Estamos na iminência de modificar os alicerces de uma grande estrutura cujas linhas gerais foram pela Emenda Constitucional nº 18/1965 e vem sendo maturado há mais de 50 anos.

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