Fronteiras do Direito

Por Leonardo Branco, Letícia Menegassi Borges e Alexandre Evaristo Pinto

Um tema. Dois convidados. Discussões inteligentes com um pé no direito e outro não.

Quem produz

Leonardo Branco
Conselheiro Titular e Vice-Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Letícia Menegassi Borges 
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada com experiência em Direito Tributário, atuando nas áreas consultiva e contenciosa. 

Alexandre Evaristo Pinto
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

TRT-14 define que doenças laborais não têm cobertura de seguro por acidente de trabalho

O Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (que abrange Acre e Rondônia) firmou entendimento de que doenças laborais, como lesões por esforço repetitivo (LER), não se enquadram como acidentes de trabalho para fins de cobertura em contratos de seguro de vida em grupo.

A decisão foi tomada no julgamento de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instaurado a partir de uma ação trabalhista ajuizada por um banco contra uma seguradora. O caso tratava da possibilidade de cobertura securitária em situações de doença relacionada ao trabalho.

A controvérsia existia entre as turmas do próprio tribunal. A 1ª Turma entendia que cláusulas contratuais de seguros não permitem interpretação extensiva ou por analogia, o que impediria a equiparação entre doença profissional e acidente. Já a 2ª Turma reconhecia que, embora a doença não fosse acidente em sentido estrito, os efeitos incapacitantes justificariam a cobertura do seguro.

Ao analisar o mérito da controvérsia, o Pleno concluiu que o conceito de cobertura por invalidez permanente por acidente, usualmente previsto nas apólices de seguro, exclui expressamente as doenças profissionais. Por isso, tais enfermidades não podem ser tratadas como acidente de trabalho na perspectiva contratual do seguro.

Para o relator, desembargador Carlos Augusto Gomes Lobo, a tese deve observar o conteúdo específico de cada contrato, sem ampliação interpretativa: “Em observância à uniformização e ao tratamento adequado dos conflitos, tratando-se de contrato de seguro de vida em grupo, decorrente de norma autônoma e securitária, não se admite interpretação extensiva ou analógica, devendo a hipótese ocorrida estar prevista clara e expressamente na cláusula de cobertura pelo seguro, o que não é o caso dos autos.”

Com base nesse entendimento, foi fixada a seguinte tese jurídica:

“Tratando-se de contrato de seguro de vida em grupo, decorrente de norma autônoma e securitária, não se admite interpretação extensiva ou analógica, devendo a hipótese ocorrida estar prevista clara e expressamente na cláusula de cobertura pelo seguro. Cabe ao reclamante comprovar que os limites estabelecidos na apólice de seguro são indevidos ou nulos, por se tratar de fato constitutivo do seu direito (inciso I do art. 818 da CLT).”

Governo federal libera R$ 27,4 milhões para reforço da segurança no STF

O governo federal autorizou um repasse de R$ 27,4 milhões ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investimentos em segurança institucional. A liberação dos recursos foi formalizada por meio de medida provisória publicada nesta quinta-feira (17) no Diário Oficial da União.

A solicitação partiu do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, após atentado com explosivos ocorrido em frente ao prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, em novembro do ano passado. A decisão de encaminhar o pedido ao Executivo foi tomada por unanimidade pelos ministros em julgamento virtual realizado em dezembro.

Segundo o plano apresentado pela Secretaria de Polícia Judicial, o valor será destinado à contratação de pessoal e aquisição de equipamentos voltados à prevenção de novos ataques e ao controle de acesso ao edifício-sede do Supremo.

Entre os itens previstos estão:

  • Nomeação de 40 agentes de Polícia Judicial: R$ 7.083.692,00
  • Solução antidrone: R$ 12.000.000,00
  • Drone autônomo: R$ 150.000,00
  • Duas câmeras termais: R$ 120.000,00
  • Dez pinos hidráulicos: R$ 1.200.000,00
  • Três guaritas: R$ 30.000,00
  • Espectrômetro de massa: R$ 95.000,00
  • 60 mil munições de treino: R$ 360.000,00
  • 19 aparelhos de raio-X e detectores de metais: R$ 5.700.000,00
  • Licença de software de segurança: R$ 221.800,00
  • 70 rádios comunicadores: R$ 425.000,00
  • 75 coldres e porta-carregadores: R$ 56.000,00

Em paralelo ao pedido de reforço orçamentário, o STF aprovou uma alteração na nomenclatura da Secretaria de Segurança da Corte, que passou a se chamar Secretaria de Polícia Judicial. Segundo nota do tribunal, a mudança acompanha “a tendência de outros tribunais e ressignifica as atividades da unidade”.

A secretaria elaborou um estudo técnico após o atentado de novembro, apontando vulnerabilidades na estrutura de proteção do prédio e destacando a necessidade de ampliação do efetivo e da aquisição de tecnologias específicas. O relatório foi encaminhado ao presidente Barroso, que, diante da ausência de verba disponível, levou a demanda aos demais ministros para que fosse formalizado o pedido ao governo federal.

TJ-SP anula condenação baseada apenas em reconhecimento fotográfico irregular

A 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu dois homens acusados de tentativa de latrocínio ao considerar que a condenação estava fundamentada exclusivamente em reconhecimento fotográfico feito sem a observância das formalidades exigidas pelo Código de Processo Penal.

O crime ocorreu em setembro de 2017, quando a vítima, um policial militar, foi baleada duas vezes na cabeça durante o roubo de sua motocicleta. Quatro homens participaram do assalto, utilizando duas motos. Além do veículo, os criminosos levaram também a arma da vítima.

De acordo com os autos, a polícia conseguiu identificar dois dos envolvidos: um deles foi localizado em posse da pistola roubada; do outro, foram encontradas impressões digitais na motocicleta subtraída. Os dois réus que recorreram ao Tribunal, no entanto, foram identificados apenas com base em fotografias apresentadas à vítima na delegacia, sem a realização de reconhecimento pessoal e sem que houvesse outras provas de participação no crime.

Para o relator do recurso, desembargador Flavio Fenoglio, a forma como se deu o reconhecimento compromete a validade da prova, uma vez que não seguiu o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal. O dispositivo exige que a pessoa que fará o reconhecimento descreva previamente o suspeito, que deve ser colocado ao lado de outras pessoas com características semelhantes. Além disso, todas as fases devem ser acompanhadas por duas testemunhas.

“No caso, a prova oral colhida revela que o reconhecimento fotográfico realizado em sede policial pode ter violado os ditames legais, pois não se pode afastar a possibilidade de que, durante o procedimento, tenha sido exibida à vítima apenas as fotografias dos réus, comprometendo a lisura do ato e afrontando as diretrizes estabelecidas no artigo 226 do Código de Processo Penal”, escreveu Fenoglio.

O relator também citou o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça desde o julgamento do Habeas Corpus 598.886, em outubro de 2020, no sentido de que reconhecimentos realizados fora dos parâmetros legais não podem embasar condenações penais.

Diante da ausência de elementos adicionais que ligassem os apelantes ao crime, os desembargadores Ana Zomer e Alberto Anderson Filho acompanharam o voto do relator e absolveram os acusados.

Temer defende que STF revise penas pelo 8 de janeiro e diz que Moraes cumprirá “papel de pacificação”

O ex-presidente Michel Temer, responsável pela indicação do ministro Alexandre de Moraes ao Supremo Tribunal Federal em 2017, afirmou que é legítima a discussão de um projeto de anistia no Congresso Nacional para os investigados nos atos de 8 de Janeiro. Ainda assim, avaliou que a melhor solução seria uma revisão das penas diretamente pelo STF. As informações são do O Globo.

“O Congresso tem o direito de editar uma lei referente à anistia, não se pode negar isso, mas talvez para não criar nenhum mal-estar com o STF, o melhor seria que o próprio STF fizesse uma nova dosagem das penas”, disse Temer. Para ele, a reavaliação das punições já impostas poderia representar um caminho de conciliação. “É possível fazer uma nova dosimetria. Punição houve, tinha de haver, mas também a pena deve ser de menor tamanho. É uma solução conciliatória. O que estou propondo é uma mediação, um meio termo.”

Durante evento recente nos Estados Unidos, o ex-presidente declarou que alguns ministros do Supremo estariam “sensibilizados” com a possibilidade de rever as punições, embora não tenha citado nomes. Questionado sobre conversas diretas com membros da Corte, disse apenas que os encontra em eventos internacionais e percebe que “se sensibilizam” diante da proposta de revisão.

Temer afirmou ainda que esse “meio termo” não apenas seria mais adequado, como também possível de ser executado, destacando que Alexandre de Moraes não seria inflexível nesse tipo de decisão. “Moraes é um ministro moderado, sensível e que sabe o que fazer. Não é um sujeito cheio de rancores”, afirmou.

A nomeação de Moraes ao Supremo ocorreu em fevereiro de 2017, após a morte do ministro Teori Zavascki em um acidente aéreo. A escolha gerou críticas do Partido dos Trabalhadores, principalmente em razão do impeachment de Dilma Rousseff e das políticas de segurança pública defendidas por Moraes em São Paulo. Hoje, no entanto, sua atuação à frente de inquéritos como o das fake news, o das milícias digitais e o da tentativa de golpe tem sido destacada por setores da esquerda.

“O Alexandre prestou serviço extraordinário. Se não fosse ele, não teria eleições no Brasil”, disse Temer, em referência ao papel do ministro na condução das investigações. O ex-presidente também citou decisões recentes que autorizaram prisão domiciliar para condenados como um indicativo de possível abertura a uma solução menos punitiva. “Ele já liberou muita gente para prisão domiciliar, o que já é um sinal. Ele cumprirá um papel de pacificação.”

Nos bastidores do Supremo, técnicos avaliam alternativas jurídicas para possibilitar a redução das penas, embora nenhuma decisão formal tenha sido tomada. Uma das saídas estudadas seria o uso de “revisões criminais”, que permitem a reabertura de casos com a apresentação de novas provas ou argumentos. Três pedidos desse tipo já foram apresentados, mas ainda aguardam apreciação pelo plenário.

A retomada do julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, prevista para o dia 25, deve reacender o debate. Condenada por escrever com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça durante os atos de 8 de Janeiro, ela recebeu pena de 14 anos proposta por Moraes. O ministro Luiz Fux pediu vista do processo e anunciou que pretende rever a dosimetria da pena. Resta saber se Moraes também estará disposto a revisar seu voto, o que poderia ser interpretado como recuo ou reconhecimento de excesso.

CNJ pune desembargador Marcelo Lima Buhatem por postagens político-partidárias

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu punir o desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), com pena de disponibilidade por 60 dias. O magistrado foi responsabilizado pela publicação de mensagens de conteúdo político-partidário em seu perfil pessoal no LinkedIn, acessado em 7 de março de 2023.

De acordo com o processo administrativo disciplinar nº 0007390-45.2023.2.00.0000, as postagens compartilhadas por Buhatem questionavam a credibilidade do sistema judicial e eleitoral brasileiro. Para o CNJ, o conteúdo publicado fomentou a desconfiança social em relação à Justiça, à segurança e à transparência das eleições.

O relator do caso, conselheiro Alexandre Teixeira, votou pela aplicação de pena de disponibilidade por 90 dias. A maioria do Plenário, no entanto, seguiu o voto divergente do conselheiro Caputo Bastos, que fixou o afastamento por 60 dias.

Além das postagens nas redes sociais, Buhatem também foi alvo de acusações por quebra de imparcialidade, paralisação de processos em seu gabinete e omissão na declaração de suspeição em relação a uma advogada com atuação no TJRJ, com quem possui vínculo de parentesco.

Justiça proíbe enfermeiros de inserirem DIU em pacientes por ser ato médico exclusivo

A 2ª Vara Federal do Estado de Alagoas proibiu a prática de inserção de dispositivo intrauterino e contraceptivo (DIU) por enfermeiros no sistema de saúde pública. A decisão foi resultado de Ação Civil Pública ingressada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas (Cremal), em face do Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (Coren-AL) e dos dois Municípios alagoanos de Penedo e Arapiraca.

A ação foi motivada por fato ocorrido em agosto de 2019, no município de Penedo. “Um enfermeiro, seguindo o comando ilícito de seu conselho profissional, inseriu um DIU em uma paciente que estava grávida no momento do procedimento”. O caso foi narrado no processo pela autarquia médica e citado no relatório da sentença, exarada pelo juiz titular da Justiça Federal de Alagoas, André Carvalho Monteiro.

“Na ocasião da inserção, os exames necessários para descartar a suspeita de gravidez não foram feitos pelo enfermeiro. No dia 10 de setembro de 2019, com aproximadamente 15 semanas de gestação, essa paciente sofreu um aborto”, destaca o juiz federal.

EXCLUSIVO DA MEDICINA

Na ação, o Cremal defendeu que os entes interrompessem a prática com fundamento em inciso da Lei 12.842/13 (Lei do Ato Médico). O texto define que a implantação do dispositivo é “ato exclusivo de médico, não podendo ser praticado por enfermeiros ou quaisquer outros auxiliares, visto que tal pratica é exclusiva da medicina, sendo ilícito tanto o gestor autorizar como o conselho profissional divulgar tal prática”.

Citado, o Município de Penedo (AL) contestou a decisão, alegando que a realização do procedimento pelos profissionais da enfermagem teve respaldo em pareceres e resoluções do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e Coren-AL.

Com a alegação apresentada, além dos municípios alagoanos, a sentença mirou também o Coren-AL. A autarquia foi condenada a divulgar a informação sobre a proibição da realização do procedimento por enfermeiros, seguindo a orientação da lei federal, no sítio eletrônico ou periódico da autarquia, durante um ano.

ORIENTAÇÕES DA OMS

Em resposta, o Coren-AL e o Cofen afirmaram que a legalidade dessa prática se baseia em pareceres publicados pela própria autarquia federal, fundamentada em orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e em uma Nota Técnica do Ministério da Saúde. No entanto, o juízo acatou o argumento presentado de que o Coren-AL não pode embasar a realização dessa prática em um parecer cujo conteúdo é contrário ao que é determinado em lei, tendo em vista a hierarquia normativa.

Também em relação às orientações da OMS e do Ministério da Saúde, considerou o magistrado: “tais manuais e pareceres técnicos não se sobrepõem ao que estabelece a lei, em respeito à hierarquia normativa, não tendo o demandado demonstrado a existência de dispositivo legal estabelecendo a possibilidade da prática do procedimento objeto dos autos pelos profissionais da enfermagem”, concluiu o juiz federal.

Confira aqui a decisão