Fronteiras do Direito

Por Leonardo Branco, Letícia Menegassi Borges e Alexandre Evaristo Pinto

Um tema. Dois convidados. Discussões inteligentes com um pé no direito e outro não.

Quem produz

Leonardo Branco
Conselheiro Titular e Vice-Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Letícia Menegassi Borges 
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada com experiência em Direito Tributário, atuando nas áreas consultiva e contenciosa. 

Alexandre Evaristo Pinto
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

Advogados brigam e trocam acusações mútuas dentro de cadeia por cliente envolvido em caso de homicídio pelo PCC

Uma acalorada disputa entre dois advogados criminalistas transformou-se em caso de polícia em Curitiba. Robert Veloso e Jackson Bahls protagonizaram uma briga no parlatório da Casa de Custódia de Piraquara, na Região Metropolitana da capital paranaense. O incidente, ocorrido em 2 de abril, tem como pano de fundo o assassinato de Tatiele Aparecida dos Santos, de 34 anos, morta com três tiros em janeiro, em Itaperuçu (PR).

Os dois advogados atuam em lados distintos no processo que apura o homicídio: Jackson Bahls defende Josuel dos Santos Faria, enquanto Robert Veloso representa William da Silva — ambos réus acusados de envolvimento direto na execução da mulher. Segundo Bahls, o homicídio teria sido encomendado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), após a vítima ser apontada como informante da polícia.

CONFRONTO NO PARLATÓRIO

O boletim de ocorrência, registrado no dia 3 de abril, relata que Robert Veloso estava no parlatório atendendo um cliente quando foi abordado pelo detento Josuel dos Santos Faria, que aguardava seu próprio advogado, Jackson Bahls. Veloso relatou ter sido surpreendido por Bahls, que o interpelou de forma agressiva, proferiu ameaças como “eu vou te pegar” e “vou te arrebentar”, e o agarrou pela camisa.

Bahls admite a reação, mas alega que agiu após flagrar Veloso tentando aliciar seu cliente. Segundo ele, o colega teria oferecido um acordo no qual William da Silva, também réu no processo, assumiria o homicídio de Tatiele em troca de R$ 30 mil. A briga foi registrada como ameaça, injúria e vias de fato. O espaço é monitorado por câmeras de segurança, e a direção da unidade prisional foi acionada para fornecer as imagens.

ACUSAÇÕES MÚTUAS

No embate verbal, as ofensas foram mútuas. “Você é um lixo de advogado. Por isso que a gente está da forma como está. Porque o advogado, em vez de trabalhar junto, vem aqui meter a faca nas costas dos outros, roubar clientes do colega”, teria dito Bahls a Veloso durante a discussão. Em resposta, Veloso rebateu: “Ele é desequilibrado. Parte pra cima dos outros achando que está em um ringue, mas não passa de um fofoqueiro que vive fazendo barraco pra se promover”.

A advogada Júlia de Melo do Prado, esposa de Robert Veloso, também foi envolvida na confusão. Ela acompanhava o marido no atendimento aos presos e presenciou o momento em que Bahls teria partido para cima dele. O casal assinou uma ação cautelar na Justiça pedindo acesso às imagens das câmeras de segurança do parlatório. Segundo Bahls, Júlia também teria participado da tentativa de aliciar Josuel, assumindo a defesa do preso em troca dos R$ 30 mil.

Robert Veloso promete levar o caso às últimas consequências: “Esse advogado desrespeitou a mim e à minha esposa. Nos ameaçou, nos constrangeu na frente dos presos, pegou na minha gravata, puxou e ainda me deu um tapa de forma covarde, pelas costas. Vou buscar a condenação dele no âmbito civil e criminal. E uma punição severa na OAB para ele aprender a respeitar os colegas de classe”.

Jackson Bahls, por sua vez, mantém sua versão: “Esse tipo de conduta, de advogado entrar em cadeia e tentar pegar cliente dos outros oferecendo acordo por dinheiro, desmoraliza a advocacia. É antiético, é ilegal. Quando vi a cena e fui tirar satisfação, ele veio debochar, me empurrou com a barriga e ficou rindo. Foi aí que eu perdi a paciência. Mas o que aconteceu ali foi reação a uma tentativa clara de corromper meu cliente“.

Sisamnes: PF prende prefeito de Palmas e advogados por vazamento de informações sigilosas do STJ

A Polícia Federal (PF) deflagrou, na manhã desta sexta-feira (27), uma nova fase da Operação Sisamnes, com o objetivo de aprofundar investigações sobre uma suposta organização criminosa. O grupo é suspeito de ser responsável pelo vazamento sistemático de informações sigilosas oriundas de inquéritos em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), impactando diretamente operações da própria PF.

Policiais federais cumprem três mandados de prisão preventiva, três mandados de busca e apreensão e outras medidas cautelares, todas autorizadas pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). As ações estão sendo realizadas na cidade de Palmas, capital do Tocantins.

A investigação revelou indícios de que informações confidenciais estariam sendo antecipadamente acessadas, articuladas e repassadas a investigados. Há suspeita de envolvimento de agentes públicos, advogados e operadores externos nesse esquema.

Entre os alvos dos mandados de prisão preventiva estão o advogado Antônio Ianowich Filho, o policial civil Marco Augusto Velasco Nascimento Albernaz e o prefeito de Palmas, José Eduardo de Siqueira Campos.

A decisão judicial também autorizou medidas de busca e apreensão contra os investigados, além do afastamento da função pública, a proibição de contato entre eles e a vedação a que deixem o país. O grupo é suspeito de utilizar esses dados sensíveis para proteger aliados, frustrar ações policiais e construir redes de influência.

Em manifestação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) posicionou-se favoravelmente em relação às medidas implementadas.

Nunes Marques afasta dois prefeitos suspeitos de praticar desvio de emendas parlamentares

O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o afastamento de dois prefeitos baianos, Humberto Raimundo Rodrigues de Oliveira, de Ibipitanga, e Alan Machado, de Boquira. Ambos são suspeitos de envolvimento em desvio de emendas parlamentares, no âmbito da quarta fase da Operação Overclean, deflagrada nesta sexta-feira (27) pelo STF.

A operação também resultou na quebra de sigilo telefônico do deputado federal Félix Mendonça. Buscas foram realizadas em endereços ligados a Marcelo Chaves Gomes, um de seus assessores. Marcel José Carneiro de Carvalho, ex-prefeito de Paratinga (BA), também foi alvo de buscas.

A Polícia Federal (PF), a Receita Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) atuam em conjunto nesta fase da Operação Overclean. A investigação apura uma organização criminosa suspeita de participação em fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos provenientes de emendas parlamentares, corrupção e lavagem de dinheiro.

No total, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão e três ordens de afastamento cautelar de servidores públicos. De acordo com a PF, o “núcleo investigado é suspeito de atuar na liberação de emendas parlamentares destinadas aos municípios baianos de Boquira, Ibipitanga e Paratinga, no período de 2021 a 2024, mediante pagamento de vantagem indevida, além de atuar na manipulação de procedimentos licitatórios“.

Os investigados são acusados de crimes como organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitações e contratos administrativos, e lavagem de dinheiro.

A deflagração da quarta fase da Operação Overclean ocorreu no mesmo dia em que o STF realiza uma audiência pública para debater a constitucionalidade de emendas impositivas ao Orçamento, aquelas cuja execução é obrigatória pelo governo. A audiência foi convocada pelo ministro Flávio Dino, relator de três ações que questionam as emendas impositivas. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, estão entre os palestrantes previstos no evento.

Justiça de MS aplica limitações à atuação de juiz que denunciou soltura de megatraficante

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) impôs restrições às atuações do juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da 1ª Vara Criminal de Três Lagoas. Foi Pedrini quem, em 2020, denunciou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o habeas corpus concedido pelo desembargador Divoncir Schreiner Maran ao megatraficante Gerson Palermo, durante um plantão de feriado.

Em nota, o tribunal alega que a proibição aplicada ao juiz não é “retaliação por parte da Administração do TJMS contra o magistrado, notadamente porque a medida adotada já foi aplicada em face de outros magistrados em situação de idêntico atraso processual“. A medida foi tomada em 26 de maio e, conforme a decisão, o juiz continua atuando em suas funções, mas está impedido de substituir outras varas.

CASO GERSON PALERMO

Para proibir as atuações do juiz de Três Lagoas, a Corregedoria-Geral de Justiça do TJ-MS alegou demora na tramitação de processos com pedidos cautelares e solicitou um plano de ação para sanar as possíveis irregularidades.

Pedrini iniciou, três anos antes, uma investigação para entender o motivo da liberdade concedida a Gerson Palermo, que estava preso em Campo Grande após ser condenado a 126 anos de prisão. O criminoso é considerado um dos maiores traficantes do país e um dos chefes de uma facção, e está foragido desde sua soltura, após o habeas corpus concedido pelo desembargador Divoncir Schreiner Maran ser suspenso.

No depoimento aos policiais, Rodrigo Pedrini explicou que analisou dados do processo de soltura de Palermo, cruzando elementos do habeas corpus proposto pela defesa, além de verificar a movimentação do traficante no sistema prisional. Pedrini declarou ainda à PF que considera a soltura de Gerson Palermo fora dos padrões de decisões do desembargador e de regras processuais de plantão. O juiz considerou, ainda, ser o traficante pessoa de “alta periculosidade”.

OPERAÇÃO ULTIMA RATIO

A decisão que soltou Gerson Palermo ocorreu no feriado de Tiradentes, em 21 de maio de 2020, e foi proferida pelo desembargador Divoncir Schreiner Maran, que se aposentou em 2024. O magistrado é um dos sete investigados na Operação Ultima Ratio, que apura venda de sentenças no TJ-MS.

Antes de se aposentar, Divoncir chegou a ser afastado do cargo por ser investigado pela Polícia Federal e pelo CNJ, sob suspeita de facilitar a fuga de Gerson Palermo. A suspeita é de que o magistrado teria vendido a liminar que concedeu o habeas corpus. O afastamento aconteceu durante a Operação Tiradentes, em fevereiro de 2024.

Ao tomar conhecimento da liberdade de Gerson Palermo, o juiz Rodrigo Pedrini iniciou a investigação que resultou em uma denúncia administrativa sobre a conduta de Divoncir Maran, encaminhada ao CNJ, conforme depoimento à PF. Entre as considerações feitas pelo juiz no documento, está a de que a defesa de Palermo ingressou com o habeas corpus no plantão judicial em que atuava Divoncir Maran, ainda que regras do CNJ e do TJ-MS estabeleçam que esses pedidos sejam feitos durante o expediente normal. Também consta que o desembargador não teria justificado o motivo pelo qual o HC foi julgado na data.

A denúncia administrativa já tramitou no CNJ e aguarda julgamento para procedimento administrativo contra Divoncir. Na prática, significa que o magistrado poderá ter a aposentadoria voluntária convertida para compulsória.

NOTA DO TJ-MS

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por meio de sua Presidência, esclareceu que o magistrado Rodrigo Pedrini não foi afastado de suas funções e continua respondendo normalmente pela vara da qual é titular. O que houve foi a proibição de atuar em outras varas em substituições ou mutirões judiciais, ante a apuração, pela Corregedoria-Geral de Justiça, de atrasos injustificados em alguns processos de responsabilidade do magistrado. O tribunal reitera que não há qualquer “retaliação” por parte da Administração do TJ-MS contra o magistrado, notadamente porque a medida adotada já foi aplicada em face de outros magistrados em situação de idêntico atraso processual.

CNJ forma maioria para unificar perícias do Benefício de Prestação Continuada pelo INSS

O plenário virtual do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) formou maioria, nesta quinta-feira (26), para unificar as regras da perícia para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O BPC, no valor de um salário-mínimo (R$ 1.518), é pago a idosos acima de 65 anos e a pessoas com deficiência que fazem parte de famílias de baixa renda.

A proposta, de autoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, foi seguida por 11 conselheiros. Faltam três manifestações, e o julgamento será concluído na próxima segunda-feira (30).

É recomendável a adoção de instrumento de avaliação comum entre as esferas judicial e administrativa, até para facilitar a identificação de eventuais divergências“, diz o relatório de Barroso, que se baseia em trabalho realizado por um grupo formado em 2024 para avaliar a concessão do BPC.

Atualmente, o INSS realiza uma perícia mais abrangente para conceder o benefício, a chamada perícia biopsicossocial, que considera também as condições sociais do solicitante. A ideia é que a Justiça adote o mesmo procedimento para a concessão do BPC, buscando maior alinhamento entre as esferas.

O Judiciário tem emitido decisões favoráveis a segurados que buscam o BPC por via judicial, concedendo o benefício mesmo em casos onde a perícia administrativa não considera haver deficiência nem incapacidade para a vida social e laboral.

GASTOS E CONCESSÕES JUDICIAIS

O CNJ, no entanto, rebate a ideia de que o gargalo esteja concentrado na Justiça. Dados do painel do INSS no programa Justiça em Números mostram que apenas 23% das ações relacionadas ao BPC julgadas pela Justiça Federal em 2024 foram consideradas procedentes. A maioria foi julgada improcedente (36%), extinta sem resolução de mérito (21%) ou resolvida por acordo (14%).

O levantamento é divulgado em meio às discussões sobre a necessidade de contenção de gastos públicos. Uma das medidas em análise pelo governo é justamente o controle da concessão judicial do BPC.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, entre abril de 2022 e abril de 2025, o número de concessões do benefício por decisão judicial cresceu 60%. No mesmo período, as concessões pela via administrativa aumentaram 28,9%.

Diante do aumento de concessões do BPC, o CNJ e o Ministério da Fazenda estão preparando uma resolução para conter a aprovação de novos benefícios por via judicial. O texto está em fase final de elaboração. A medida foi articulada pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério da Fazenda diretamente com o presidente do STF. A equipe econômica busca uma solução para a alta acelerada dos novos benefícios, que representam um impacto significativo no orçamento.

Em 2024, o governo desembolsou R$ 102,2 bilhões para atender a essa demanda. Para 2025, a previsão é ainda maior, com o Orçamento federal estimando R$ 112 bilhões para o BPC.

“Pega o Guanabara e vem”: Juiz faz analogia com música de Wesley Safadão para negar pedido de audiência online

O juiz Gerfran Carneiro Moreira, da 4ª Vara do Trabalho de Manaus, indeferiu o pedido de uma advogada para que uma audiência presencial fosse realizada de forma telepresencial. Em sua decisão, proferida na tarde de terça-feira (24), véspera da audiência, o magistrado citou a música “Pega o Guanabara”, sucesso na voz de Wesley Safadão, em referência à dificuldade logística da defensora, que atua em outro estado.

A canção, que aborda o amor à distância e tem em seu título o nome de uma empresa de ônibus, inspirou a adaptação do julgador: “Em se tratando de Manaus, onde se lê Guanabara, pode ser Azul, Gol ou Latam“, escreveu o juiz.

O requerimento de mudança do formato da audiência foi feito pela defesa da parte reclamada em uma ação trabalhista contra um hipermercado, cujo valor da causa é de R$ 120,7 mil. A advogada invocou a Resolução 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que elenca hipóteses para a realização de atos processuais online.

DEFESA DA PRESENCIALIDADE

Inicialmente, o juiz Moreira observou que já havia decidido pela audiência presencial em 1º de abril. Dessa forma, o pedido da parte se reveste de um status de reconsideração, admissível apenas em situação extraordinária, o que, segundo ele, não foi verificada no caso. O magistrado destacou que não “redecide” o que já decidiu, salvo se os fatos mudam, conforme dispõe o artigo 505 do Código de Processo Civil (CPC).

Quanto à resolução do CNJ, o julgador contextualizou que ela foi editada em novembro de 2020, em meio à pandemia da Covid-19, para dar alguma normalidade à prestação jurisdicional em razão das medidas de distanciamento social. Contudo, a situação daquela época não mais perdura.

O ‘normal’ não é juízes e advogados estarem separados por telas, cada um num lugar do mundo. A vida do Direito é como o amor: pode até acontecer a distância, vez ou outra, mas só se consuma no calor da proximidade, no corpo a corpo, nas conjunções das inteligências, das almas e — no caso do amor — das carnes“, analisou Moreira.

Segundo ele, o juiz só pode determinar audiência telepresencial de ofício em casos específicos, pois a regra é a presencialidade. Na hipótese sob apreciação, ele ponderou que as partes precisam discutir temas que abrangem matéria de fato e têm prova testemunhal para produzir. “A experiência forense indica que a audiência, com esses aspectos, só se perfaz bem com segurança e confiabilidade no ‘ao vivo’.”

O juiz acrescentou que a Resolução 354/2020 e o Estatuto da Advocacia não preveem a prerrogativa de advogados elegerem o lugar da audiência e a sua forma. Ele alertou que, “se a parte escolhe um advogado não residente na comarca, deve assumir os ônus disso“, pois o modelo presencial é a possibilidade “real e normal” em todas as ações.