A Lei n. 13.105/15, que instituiu o novo Código de Processo Civil , estabeleceu como uma de suas premissas o incentivo ao uso de formas de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação.
Registre-se que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da Resolução 125 , desde 2010, já chamava para o Poder Judiciário a responsabilidade de incrementar as atividades de conciliação e mediação como mecanismos legítimos de resolução de controvérsias, tanto as pré-processuais como as judicializadas. Ademais, a Resolução 156/2021 – CNJ recomenda aos magistrados com atuação nas demandas que envolvam o direito à saúde que priorizem, sempre que possível, a solução consensual da controvérsia por meio do uso da negociação, da conciliação ou da mediação.
Atualmente, o número de demandas em que se discute o direito à saúde no Brasil chega a 520 mil (até agosto/2022), de acordo com dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde , lançado pelo CNJ entre demanda individual ou coletiva, assunto e tipo da demanda (saúde pública ou suplementar). Os dados são referentes ao período entre 2020 e 2022.
Assim, para as demandas em que se discute o direito à saúde no âmbito coletivo (ações civis públicas) não se tem dúvidas que o melhor caminho para uma solução justa e exequível é a utilização de técnicas e métodos autocompositivos para que os resultados sejam alcançados.
Desta forma, a adoção do modelo cooperativo e dialógico com a visão prospectiva com o poder de decisão compartilhado traz para o processo a democratização, sendo todas as decisões construídas com as partes.
Trago aqui um caso concreto em que considero um dos mais importantes case de sucesso que envolve demanda coletiva estruturante de saúde do Brasil, que foi ajuizamento de uma Ação Civil Pública pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Norte em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, com a finalidade obter um comando judicial que obrigasse o aumento do número de leitos de UTI no Estado.
Como o Poder Judiciário lida com esse tipo de Ação?
Certamente, o modelo tradicional que valoriza a lógica do vencedor e vencido, o contraditório, o poder de decisão concentrado no magistrado, rigidez procedimental e os mecanismos de coerção, não seria recomendável para esse tipo de demanda.
O processo n. º 0004715-12.2012.4.05.8400, ajuizado em 2012, que tem sido conduzido de forma brilhante pela magistrada Dra. Gisele Leite, Juíza Substituta da 4ª Vara Federal do Estado do Rio Grande do Norte, iniciou a execução de sentença em 2017, sendo estabelecido um cronograma de audiências mensais, até o presente momento já foram realizadas 53, sendo criado 147 novos leitos de UTI (adulto, pediátrico e neonatal) no Estado.
Foi criado um verdadeiro grupo de trabalho, desprezando a figura de autor e réu da ação e sempre ficando muito bem estabelecido o que é o ideal e o que é o possível de ser implementado/executado.
E o mais importante, demonstrou no momento de maior crise sanitária que o mundo já passou a importância da referida ação para coletividade e para a saúde pública, na medida em que se os leitos de UTI não tivessem sido criados por força da referida ação, muito mais pessoas teriam ido a óbito.
Por outro lado, em se tratando de ação coletiva estruturante de demanda da saúde não se tem dúvidas que termina interferindo diretamente nas demandas individuais, que são o verdadeiro gargalo do Poder Judiciário produzindo um descontrole para os gestores da saúde pública que têm a difícil missão de cumprir as decisões judiciais, em algumas oportunidades, fazendo a escolha de Sofia.
Assim, a demanda coletiva estruturante de saúde faz com que ocorra a chamada desjudicialização das demandas individuais.
Portanto, é necessário que o Poder Judiciário invista cada vez mais na formação e qualificação dos mediadores e conciliadores e estimule os magistrados a utilizarem da mediação como ferramenta de solução de conflitos e que a demanda acima referenciada siga como exemplo e estímulo para todos os magistrados do País, posto que, traduz a eficácia do instituto da mediação nas demandas coletivas de saúde.
Advogado e Professor, Sócio do Lucio Teixeira dos Santos Advogados, Assessor Jurídico
do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Norte, Mestre em
Administração, Especialista em Direito Médico e da Saúde e Especialista em Direito e
Processo do Trabalho. Membro da Comissão Nacional de Estratégia Jurídica do
Conselho Federal de Medicina. Autor do Livro Qualidade de Serviços em Escritórios de
Advocacia, OAB Editora, 2015.