Fronteiras do Direito

Por Leonardo Branco, Letícia Menegassi Borges e Alexandre Evaristo Pinto

Um tema. Dois convidados. Discussões inteligentes com um pé no direito e outro não.

Quem produz

Leonardo Branco
Conselheiro Titular e Vice-Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Letícia Menegassi Borges 
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada com experiência em Direito Tributário, atuando nas áreas consultiva e contenciosa. 

Alexandre Evaristo Pinto
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

Moraes impede gravação de acareações e defesas protestam contra violação de prerrogativas

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta terça-feira (24) um pedido das defesas envolvidas no processo sobre a trama golpista para gravar a acareação entre o tenente-coronel Mauro Cid e o general e ex-ministro Walter Braga Netto. A negativa de gravação, segundo Moraes, visa a evitar pressões indevidas e possíveis vazamentos que poderiam comprometer a instrução do processo.

“O pedido foi indeferido uma vez que a acareação é ato de instrução do Juízo e não ato da defesa e, para evitar pressões indevidas, inclusive por meio de vazamentos pretéritos do que seria ou não perguntado aos corréus, que poderiam comprometer a instrução processual penal”, diz trecho da ata da audiência.

Este é o primeiro ato do processo sobre a trama golpista que não foi gravado, divergindo do procedimento adotado nos depoimentos das testemunhas e nos interrogatórios dos réus.

PROTESTOS E “COMENTÁRIO JOCOSO”

A negativa de Moraes causou protestos das defesas dos réus no processo sobre a tentativa de golpe de Estado. O advogado José Luis Oliveira Lima, defensor de Braga Netto, declarou que a decisão do ministro do Supremo violou as prerrogativas da advocacia.

“A defesa precisa registrar que teve sua prerrogativa violada. Todos os atos deste processo foram gravados, e a opinião pública teve acesso. Nesse caso, que é um ato processual fundamental para pegar os detalhes da fala de cada um, infelizmente —respeitando, evidentemente, o ministro-relator— esta defesa pediu que o ato fosse gravado e foi negado”, disse.

Moraes também teria feito um comentário em tom jocoso com a defesa de Braga Netto. A “piada” do ministro mencionava um pedido anterior de Oliveira Lima ao Supremo, no início do mês, para que o depoimento de Braga Netto não fosse transmitido pela TV Justiça sob o risco de a espetacularização do processo e a superexposição do réu gerarem prejuízos.

MP de São Paulo acumula dívida de R$ 6 bilhões em retroativos para pagar a seus próprios membros

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) acumula um passivo estimado em R$ 6 bilhões em pagamentos retroativos devidos a seus próprios membros, entre procuradores e promotores da ativa e aposentados. O montante é uma vez e meia maior que o orçamento anual de toda a instituição, que é de menos de R$ 4 bilhões para 2025. O próprio MP-SP afirma não ter perspectiva de quando conseguirá quitar a dívida.

Se o valor fosse dividido entre os 2.811 membros que receberam remuneração em março, cada um teria direito a uma média de R$ 2,13 milhões.

Essa conta bilionária não se refere a salários atrasados, mas a uma série de verbas extras, conhecidas como “penduricalhos”, que são autorizadas por leis, decisões judiciais e atos administrativos. Entre elas estão adicionais por tempo de serviço, parcelas de equiparação com salários do Judiciário e pagamentos por acúmulo de funções.

Na prática, esses valores “turbinam” os salários, que já estão entre os mais altos do funcionalismo público. Em março, por exemplo, o MP-SP pagou R$ 28 milhões líquidos em verbas do tipo, o que representou um extra de R$ 13 mil, em média, para cada membro naquele mês.

Para especialistas, essa prática representa uma forma de conceder “aumentos indiretos de remuneração” sem a necessidade de aprovação de uma lei específica pela Assembleia Legislativa, o que seria uma maneira de “driblar a separação de Poderes”.

O MP-SP afirma que os pagamentos são legais, auditáveis pelos órgãos de controle (Tribunal de Contas e CNMP) e realizados conforme a disponibilidade de orçamento.

TRF-3 debate se ex-servidora bipolar da Caixa teve dolo ao desviar R$564 mil

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) suspendeu, no início do mês, o julgamento de uma apelação em ação de improbidade administrativa. O caso discute a responsabilidade de uma ex-servidora da Caixa Econômica Federal, diagnosticada com transtorno bipolar, acusada de desviar verbas. A interrupção ocorreu com o pedido de vista da desembargadora Mônica Nobre.

A ex-servidora já possui uma condenação na esfera penal, referente ao mesmo caso, por peculato continuado. Entre 2005 e 2009, enquanto funcionária de uma agência em São Paulo, ela desviou R$ 564.001,03. Os desvios foram realizados simulando contratos de empréstimos bancários em contas que ela mesma desfalcava, a fim de encobrir as irregularidades. Na esfera criminal, ela foi condenada a 3 anos e 4 meses de reclusão, em regime aberto, pena que cumpriu entre 2021 e 2024. Além disso, foi condenada a ressarcir os valores desviados à Caixa Econômica Federal.

TRANSTORNO DE PRODIGALIDADE X INTENÇÃO DE DESVIAR

A defesa da ex-servidora busca a improcedência da ação de improbidade na esfera cível, argumentando que os atos foram manifestações incontroláveis de um grave transtorno de prodigalidade, associado ao transtorno bipolar.

Segundo a defesa, laudos e testemunhos do processo criminal correlato atestam que a consciência e o discernimento da ré estariam demasiadamente tomados por um impulso irracional, resultando na ausência de dolo, ou seja, vontade consciente de praticar o ato ilícito. A perícia da psicóloga Leila Salomão de Lachata Cury Tardivo, realizada no processo criminal, foi citada pela defesa para sustentar a tese de que “a ré não tinha controle de seus hábitos, não havia intenção de dolo”.

No plenário, o voto da desembargadora relatora, Leila Paiva, foi no sentido de negar provimento à apelação, mantendo a condenação por improbidade administrativa e a obrigação de ressarcimento. Para ela, os laudos não se mostram suficientes para afastar o dolo da ação que, com o arcabouço probatório demonstrado nos autos, era flagrante. Além disso, ela questionou o fato de a doença ter sido diagnosticada em 2008, mas os desvios terem começado antes, em 2005.

Em contrapartida, o desembargador André Nabarrete divergiu da relatora. Em seu voto, o magistrado destacou que a Lei de Improbidade Administrativa “exige dolo específico, a vontade consciente de praticar“, e que, ao analisar os laudos, essa vontade consciente não está exposta robustamente. Para ele, os laudos sobre a condição da ex-servidora eram relevantes e não foram satisfatoriamente contrapostos pela acusação.

Com o pedido de vista feito pela desembargadora Mônica Nobre, o caso pode retornar ao plenário em até 20 dias, prazo estabelecido pelo artigo 162 do regimento interno do TRF-3 (10 dias prorrogáveis por mais 10).

Justiça do Trabalho anula pedido de demissão de mulher que estava sob efeito medicamentoso

A 3ª Vara do Trabalho de Santo André (SP) declarou a nulidade do pedido de demissão de uma profissional da gastronomia, alegando vício de consentimento. A decisão, proferida pelo juiz Diego Petacci, considerou o estado de saúde mental fragilizado da trabalhadora, que era decorrente de assédio moral e doença ocupacional.

As empresas rés foram condenadas a pagar R$ 40 mil em indenização por danos morais, além de todas as verbas rescisórias devidas.

A trabalhadora alegou que, no momento da assinatura do documento de rescisão contratual, estava sob efeito de medicamentos para tratamento de depressão e ansiedade. Ela afirmou que essas condições foram agravadas por um ambiente de trabalho “tóxico” e permeado por assédio moral. A reclamante também relatou negligência por parte da empresa em sua reintegração após afastamento por motivo de saúde, incluindo a retirada de seu notebook corporativo e a manutenção de um ambiente desfavorável.

Testemunhas confirmaram os relatos, mencionando ter presenciado a colega em estado de choro após interações com a gerência. Um laudo pericial, por sua vez, confirmou o nexo concausal entre a patologia apresentada e as condições de trabalho às quais a empregada era submetida.

Conforme o juiz, a análise dos fatos e das provas revela que a reclamada, em vez de propiciar ambiente salutar de retorno para a reclamante, apressou-se em torná-la inútil no ambiente de trabalho e causar-lhe tamanho sentimento de impotência que ela se viu na necessidade de se demitir.

A decisão judicial também estabeleceu o pagamento de indenização substitutiva à garantia de emprego, bem como o ressarcimento de despesas médicas relacionadas à doença ocupacional.

Justiça arquiva inquérito e encerra caso sobre morte durante Operação Verão

A Justiça de São Paulo manteve o arquivamento de um inquérito contra dois policiais militares pela morte de um homem em Santos, durante a Operação Verão do ano passado. A conclusão do processo foi pelo excludente de ilicitude, dispositivo do Código Penal que prevê que um agente de segurança não comete crime se agir, por exemplo, em legítima defesa. O caso foi encerrado no último dia 10 de junho.

A conclusão pelo arquivamento do feito foi atingida após minucioso e detalhado exame da prova amealhada, sendo irretocável a confirmação da presença da excludente de ilicitude na ação dos policiais militares ora investigados“, escreveu o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) já havia rejeitado um pedido da Defensoria Pública para rever o caso e afirmou que os policiais atuaram em legítima defesa. Procurados, o MP e a Polícia Militar não responderam à Coluna do Estadão antes da publicação.

Após a divulgação da reportagem, a PM afirmou: “À Polícia Militar cabe tomar as medidas necessárias decorrentes de uma decisão judicial”. O MP, por sua vez, declarou: “O MP-SP manteve o arquivamento do processo que tramita sob segredo de justiça”.

CÂMERAS CORPORAIS

Apenas parte da operação policial, que aconteceu em 14 de fevereiro do ano passado, foi registrada pelas câmeras corporais dos PMs. Nas imagens analisadas pelo Ministério Público, não é possível ver o homem morto pelos policiais, Emerson Rogério Telascrea. É possível ouvir que ele disse “Desculpa, senhor” e foi interrompido por dois tiros de fuzil.

Segundo a versão dos policiais, corroborada pelo Ministério Público, o homem apontava uma arma na direção dos policiais antes de ser alvejado. Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, os PMs foram recebidos por tiros em uma favela em Santos.

OPERAÇÃO VERÃO

A Operação Verão durou 105 dias na Baixada Santista, no início de 2024. De acordo com o governo de São Paulo, 56 pessoas foram mortas pela polícia durante a ação. A PM realizou 1.025 prisões, apreendeu 2,6 toneladas de drogas e 119 armas de fogo ilegais.

A operação foi alvo de críticas pela alta letalidade policial, levando entidades de direitos humanos a denunciar “operações letais” no Conselho de Direitos Humanos da ONU, na Suíça. Questionado na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas afirmou: “Nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. O pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

Familiares de Emerson Rogério Telascrea reclamaram da presença de policiais armados com fuzis no velório da vítima, que aconteceu em 15 de fevereiro de 2024, um dia após a morte. Eles relataram intimidação e pediram respeito à cerimônia.

TRF-5 nega pedido a construtora para reabrir maior ação do Brasil em valores

Fracassou a tentativa da construtora Mendes Júnior de reabrir a discussão sobre o maior pedido de ressarcimento da história do país. Na última semana, a 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) acolheu os argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Companhia Hidro Elétrica do Vale do São Francisco (Chesf), confirmando o julgamento de 2010 que foi contrário à ação de cobrança.

A construtora buscava, na ação rescisória, desconstituir o acórdão proferido pelo TRF-5 em 2010, que havia negado uma ação de cobrança trilionária movida contra a Chesf, a União e o Ministério Público Federal por ausência de provas. Naquela época, a cifra requerida, de R$ 1,7 trilhão (em valores de 2010), representava quase a metade do Produto Interno Bruto brasileiro e seria suficiente para construir 51 hidroelétricas muito maiores que Itaparica ou, pelo menos, 10 hidroelétricas de Itaipu, conforme consta no texto do acórdão.

MAIOR AÇÃO JUDICIAL DO BRASIL

A história da maior ação judicial do Brasil em valores remonta a 1988, quando a Mendes Júnior ajuizou uma ação declaratória na Justiça estadual de Pernambuco. Essa ação reconheceu o direito a ressarcimento de custos adicionais decorrentes de empréstimos que a empresa alegou ter tomado para financiar as obras da Usina Hidrelétrica de Itaparica (hoje denominada Luiz Gonzaga), em Pernambuco.

A empreiteira foi contratada em 1981 e concluiu a construção em 1986. Nesse período, a Chesf atrasou o pagamento de algumas faturas, e a construtora alegou ter precisado buscar recursos no mercado financeiro para dar continuidade ao empreendimento. Baseada na decisão anterior, a empresa propôs, em 1993, uma ação de cobrança, também na Justiça estadual.

A União requereu, então, seu ingresso na ação, o que resultou na remessa dos autos à Justiça Federal em Pernambuco. Após sentença parcialmente favorável à autora, em 2010, o TRF-5 reformou a decisão e julgou improcedente a ação de cobrança por ausência de provas dos financiamentos alegados, seus custos e sua efetiva aplicação para custear a obra, conforme demonstrou a AGU”, explica a procuradora-regional da União da 5ª Região, Carolina Scheidegger. A empresa recorreu aos tribunais superiores, mas o entendimento foi mantido, e a ação transitou em julgado em 2020.

NOVA TENTATIVA

Dois anos depois do trânsito em julgado, a empreiteira ingressou com uma ação rescisória, alegando que o acórdão de 2010 violou o que foi julgado na ação declaratória de 1988, que teria reconhecido seu direito à indenização pelos juros de mercado incidentes no período em que financiou a obra. A Mendes Júnior também alegou violação a dispositivos constitucionais e legais que regem o equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos.

Em sustentação oral perante a 1ª Seção do TRF-5, a procuradora-regional Carolina Scheidegger afirmou que a empresa busca apenas reexaminar o mérito de uma causa já definitivamente decidida, sem demonstrar qualquer vício hábil a justificar a rescisão do julgado. Ela enfatizou que a decisão de 1988 da Justiça estadual foi uma declaração genérica de possível desequilíbrio contratual, sem qualquer definição de ressarcimento.

Além disso, a empresa nunca demonstrou que contraiu empréstimos, tampouco que suportou encargos financeiros em decorrência da inadimplência da Chesf. Ao contrário, conforme destacado no acórdão de 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que a empresa contratada recebeu em verdade mais do que lhe era devido, inclusive multando a Chesf por ter ressarcido a Mendes Júnior ‘a maior’”, concluiu Carolina Scheidegger.

Por unanimidade, os desembargadores federais acolheram os argumentos da AGU, por meio da Procuradoria Regional da União da 5ª Região, e dos advogados da Chesf, acompanhando o voto do relator, desembargador federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.