Fronteiras do Direito

Por Leonardo Branco, Letícia Menegassi Borges e Alexandre Evaristo Pinto

Um tema. Dois convidados. Discussões inteligentes com um pé no direito e outro não.

Quem produz

Leonardo Branco
Conselheiro Titular e Vice-Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Letícia Menegassi Borges 
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada com experiência em Direito Tributário, atuando nas áreas consultiva e contenciosa. 

Alexandre Evaristo Pinto
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

Após suspender precatórios que somam R$ 3,5 bilhões, corregedor nacional de Justiça determina pente-fino em todos os tribunais federais

O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, determinou um “pente-fino” em todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país. O objetivo é identificar e barrar a expedição de precatórios irregularmente emitidos, ou seja, antes do trânsito em julgado das decisões judiciais. A medida, que já havia suspendido R$ 3,5 bilhões em precatórios no TRF da 1ª Região, agora se estende aos TRFs da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Regiões, que terão 15 dias para apresentar o mapeamento das irregularidades.

Diante da gravidade da situação e da iminência de pagamentos de quantias expressivas relativas a precatórios federais irregulares, determino a imediata identificação dessas expedições, com o consequente cancelamento e a adoção das medidas corretivas necessárias nos procedimentos internos de expedição de precatórios nos seis Tribunais Regionais Federais“, afirmou o corregedor em sua decisão.

Campbell Marques também instruiu que, caso seja constatada a emissão irregular de precatórios, a presidência ou as próprias corregedorias das cortes regionais federais deverão promover o cancelamento imediato do título, conforme informou o Conselho Nacional de Justiça.

A decisão do corregedor foi proferida no âmbito do Pedido de Providências 0003764-47.2025.2.00.0000, ajuizado pela Advocacia-Geral da União (AGU). A AGU apontou pagamentos supostamente irregulares que estariam ocorrendo no TRF da 1ª Região, com sede em Brasília.

No último dia 4, Campbell já havia concedido liminar suspendendo a expedição de 35 precatórios pelo TRF-1 sem a comprovação do trânsito em julgado. A partir dessa decisão, o TRF-1 realizou uma varredura interna, identificou e suspendeu outros 4.525 precatórios irregulares, totalizando mais de R$ 20,5 bilhões.

PRECATÓRIOS E INVESTIGAÇÃO

Precatórios são títulos emitidos a partir de sentença judicial para quitação de dívidas de órgãos públicos – autarquias, fundações, gestões estaduais, municipais e União. Os credores são empresas e pessoas físicas. O valor devido pelo ente público deve ser liberado apenas quando não há mais possibilidade de recurso contra o pagamento, ou seja, após o trânsito em julgado.

A Resolução n. 303/2019 do CNJ dispõe sobre a gestão dos precatórios e os respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. De acordo com a norma, uma das exigências para a expedição de precatório é a comprovação da data do trânsito em julgado da fase executiva. Segundo a AGU, os precatórios impugnados foram expedidos antes do trânsito em julgado de contestações apresentadas pela União quanto ao cumprimento das sentenças. O levantamento da Advocacia-Geral indica que os precatórios expedidos de forma irregular somam R$ 3,5 bilhões.

O corregedor nacional Campbell Marques reforçou a regulamentação do CNJ, destacando que a exigência da Resolução n. 303/2019 parece ter sido desrespeitada com a expedição de precatórios “bloqueados” ou precatórios sem preclusão da fase de cumprimento de sentença.

Em seu despacho, ao qual o Estadão teve acesso, o corregedor sublinha que a discussão não se trata da possibilidade de expedição de precatório referente a parcela incontroversa. “O ponto controvertido é, de modo definitivo, diverso“, pondera o ministro Campbell. “Trata-se da expedição de requisições antes da emissão da certidão de trânsito em julgado relativa à totalidade da parcela exequenda, ou da certidão que reconhece parcela incontroversa, esta última correspondente à parte do débito expressamente admitida pela Fazenda Pública.

Em outras palavras, assevera o corregedor, “em nenhuma hipótese revela-se legítima a expedição de precatórios antes da ocorrência do trânsito em julgado (valor exequendo total) ou da preclusão máxima (valor exequendo tido por incontroverso), sob pena de violação ao texto constitucional.

DETERMINAÇÕES

O ministro Mauro Campbell Marques estabeleceu as seguintes medidas:

  1. Inclusão no polo passivo dos Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Regiões;
  2. Intimação de todos os Tribunais Regionais Federais para que adotem e apresentem, em 15 dias, as providências realizadas no âmbito de suas respectivas competências;
  3. Identificação dos precatórios expedidos sem certidão de trânsito em julgado (ou de preclusão máxima, na hipótese de parcela incontroversa), devendo, no caso de constatação de tal irregularidade, proceder ao cancelamento imediato.
  4. Uma vez constatada pela Presidência ou pela Corregedoria dos Tribunais Regionais Federais a regularidade de precatórios específicos – mediante a apresentação da certidão de trânsito em julgado da fase de cumprimento de sentença ou da certidão de preclusão relativa à decisão que reconheceu como incontroverso parte do débito exequendo em momento anterior à expedição –, não se revela necessária nova provocação desta Corregedoria Nacional de Justiça para o prosseguimento do procedimento administrativo do precatório tido por regular.

A União também havia solicitado a instauração de uma correição extraordinária em cinco varas federais do DF e a edição de um provimento que discipline o tema, evitando depósitos ou pagamentos de obrigações antes de encerrada definitivamente a discussão sobre os valores dos precatórios.

Celular esquecido em cena do crime pode ser usado como prova mesmo sem autorização judicial, decide Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (25) que provas obtidas por meio de perícia policial em celular do acusado esquecido na cena do crime são válidas, mesmo sem autorização judicial prévia. A tese formulada (Tema 977 da repercussão geral) servirá de referência para casos semelhantes em todos os tribunais do país.

Por unanimidade, o Plenário estabeleceu, no entanto, que os dados obtidos nessas circunstâncias só podem ser utilizados na apuração do crime ao qual a perda do celular está vinculada. Conteúdos de natureza particular não criminosa não podem ser acessados indiscriminadamente. A polícia tem o direito de preservar o conteúdo integral do aparelho, mas deve apresentar à Justiça argumentos que justifiquem seu acesso posterior.

Já quando o celular é apreendido com o suspeito presente – como em prisões em flagrante –, o acesso aos dados só pode ocorrer com consentimento expresso do proprietário ou com autorização judicial. Essa medida deve respeitar direitos como intimidade, privacidade, proteção dos dados pessoais e autodeterminação informacional. O novo entendimento do STF passa a valer a partir desta quarta-feira (25).

CASO CONCRETO E TESE

A discussão tem como base o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1042075, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), sob relatoria do ministro Dias Toffoli. O caso envolve um criminoso que, após cometer um roubo, foi identificado pela polícia a partir do celular que deixou cair durante a fuga. Condenado em primeira instância, ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que considerou ilegal o acesso ao conteúdo do aparelho sem autorização judicial. O MP-RJ recorreu, e o STF validou as provas.

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:

1. A mera apreensão do aparelho celular, nos termos do artigo 6º do Código de Processo Penal (CPP), ou em flagrante delito, não está sujeita a reserva de jurisdição. Contudo, o acesso dos dados nele contidos:

  • Nas hipóteses de encontro fortuito de aparelho celular, o acesso aos respectivos dados para o fim exclusivo de esclarecer a autoria do fato supostamente criminoso ou de quem seja seu proprietário não depende de consentimento ou de prévia decisão judicial, desde que justificada posteriormente a adoção da medida.
  • Em se tratando de aparelho celular apreendido na forma do artigo 6º do CPP ou por ocasião da prisão em flagrante, o acesso aos respectivos dados será condicionado ao consentimento expresso e livre do titular dos dados ou de prévia decisão judicial, que justifique, com base em elementos concretos, a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive em meios digitais. Nesses casos, a celeridade se impõe, devendo a autoridade policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de plantão.

2. A autoridade policial poderá adotar as providências necessárias para a preservação dos dados e metadados contidos no aparelho celular apreendido antes da autorização judicial, justificando, posteriormente, as razões para o devido acesso.

3. As teses acima enunciadas só produzirão efeitos prospectivos, ressalvados os pedidos eventualmente formulados por defesas até a data do encerramento do julgamento.

TST mantém condenação do Bradesco em R$ 100 mil por dano moral coletivo em razão de práticas de etarismo

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Banco Bradesco S.A. contra condenação por dano moral coletivo em razão de práticas discriminatórias em razão da idade. O banco deverá pagar R$ 100 mil de indenização, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a outra entidade sem fins lucrativos a ser indicada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), autor da ação.

A ação civil pública foi apresentada pelo MPT no Amapá a partir de sentença numa ação individual em que o banco foi condenado a indenizar uma empregada por assédio moral. Nessa ação, a trabalhadora relatou que sofria discriminação em razão de sua idade.

Em depoimentos, testemunhas confirmaram que, nas reuniões, eram comuns os comentários sobre produtividade, salário, idade e tempo de serviço, no sentido de que ela ganhava mais e produzia menos. Também havia comentários de que ela estaria “passando da idade”. Uma delas afirmou que, nos últimos meses antes da dispensa, havia uma sobrecarga de trabalho em cima dessa trabalhadora que a deixava “chateada, triste e sem ânimo”.

”PEDE PRA SAIR”

Ao tomar conhecimento da sentença, o MPT chamou a bancária para pedir informações. Ela então disse que, nas reuniões, o gerente geral era grosseiro com ela e comparava seu desempenho com o de colegas recém-chegados, dizendo que “tem gente velha se aposentando que não consegue fazer”. Ao falar em “gente velha”, ele olhava para ela, e os colegas brincavam falando “pede para sair”.

Nesse depoimento, a bancária disse também que esse gerente a escalava quase diariamente para atuar como preposta em ações trabalhistas, o que ocupava toda a manhã, e depois reclamava de sua baixa produtividade.

Com base nesses elementos, o MPT concluiu que a conduta assediante estava fundada em aversão à trabalhadora tida como mais velha. “Isto significa, portanto, a ocorrência de assédio moral discriminatório”, afirmou.

O juízo de primeiro grau condenou o banco a pagar indenização de R$ 500 mil e a criar em sua ouvidoria interna no estado uma comissão para denúncias, investigação, prevenção e saneamento de práticas de assédio moral.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), embora reduzindo a condenação para R$ 100 mil, manteve o entendimento de que o tratamento depreciativo dispensado à trabalhadora, “demonstrado de forma contundente”, degrada o ambiente de trabalho como um todo, “tornando-o tóxico, causando uma série de abalos, inclusive de cunho psicológico, em todos os empregados”. Ainda de acordo com o TRT, não há prova de que o assediador tenha sido advertido nem de que o banco tenha implementado políticas para evitar atos discriminatórios.

No recurso de revista, o Bradesco reiterou a tese de que as acusações do MPT se limitavam a um problema individual que já havia sido objeto de reclamação trabalhista da própria vítima do assédio.

Mas, para o relator, ministro José Roberto Pimenta, o que dá o caráter coletivo ao caso é a repercussão no meio social e a adoção reiterada de um padrão de conduta por parte do infrator com extensão lesiva à coletividade. “É por isso que o dano moral coletivo, ante suas características de dano genérico, pede muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente um ressarcimento”, explicou. Ao manter o valor da condenação, o colegiado entendeu que o montante era razoável para esse fim.

A decisão foi unânime.

TJ-SP altera nome de juiz Edward Wickfield para José Eduardo após uso de identidade falsa por mais de 40 anos

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) publicou nesta quarta-feira (25), no Diário da Justiça Eletrônico, a alteração oficial do nome do juiz aposentado que atuava como Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield para seu nome verdadeiro: José Eduardo Franco dos Reis.

A mudança encerra formalmente a farsa mantida por mais de quatro décadas, durante as quais Reis ocupou cargos na magistratura usando uma identidade fictícia de suposta descendência britânica. Ele é réu em ação penal por falsidade ideológica e uso de documento falso.

RELEMBRE O CASO

A fraude foi revelada em abril e veio à tona após o magistrado tentar tirar uma segunda via do RG com o nome falso em outubro de 2024. A identificação por impressão digital apontou a duplicidade, e a Polícia Civil iniciou a investigação.

Reis ingressou na magistratura paulista em 1995 e se aposentou em 2018, atuando por anos sob o nome inventado. De acordo com o Ministério Público, ele “enganou quase a totalidade das instituições públicas” com documentos falsificados, incluindo certidão de nascimento forjada com pais fictícios e data de nascimento alterada.

A defesa do juiz alegou à Justiça que ele apresenta traços compatíveis com transtorno de personalidade esquizoide e que teria criado a identidade fictícia após uma crise existencial. Um pedido de instauração de incidente de insanidade mental foi apresentado, o que pode levá-lo à inimputabilidade.

Apesar da alegação de que jamais obteve vantagem com a fraude, Reis assinou milhares de decisões judiciais usando o nome falso e chegou a coordenar unidade da Escola Paulista da Magistratura.

A certidão falsa utilizada por ele foi registrada com o mesmo número de sua certidão original, no cartório de Águas da Prata (SP), mas com dados divergentes — o que facilitou a detecção da fraude com o avanço da biometria digital nos sistemas de identificação do estado.

Dino oficia CNJ sobre pagamento desigual de benefícios retroativos a magistrados do TJ-RO

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou ofício ao corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell, para que tome providências diante de indícios de pagamentos retroativos irregulares a magistrados, com critérios distintos entre tribunais.

A medida foi tomada no âmbito de uma ação apresentada por magistrados aposentados do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), que questionam a falta de isonomia no pagamento do chamado “quinquênio” — adicional salarial concedido a cada cinco anos de serviço.

Segundo os autores, colegas da ativa receberam valores significativamente superiores aos aposentados, com lançamentos retroativos milionários para um grupo restrito. Eles relataram “repercussões intensas e variadas”, apontando “magistrados festejando a chegada de quantias milionárias” enquanto outros foram preteridos.

Para Dino, a situação fere o princípio da uniformidade do Judiciário:

“O Poder Judiciário é nacional e não podem existir ‘ilhas’ à revelia do disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, escreveu.

O ministro também determinou que o Estado de Rondônia apresente os contracheques completos a partir de dezembro de 2022, além dos demonstrativos detalhados dos pagamentos retroativos do quinquênio feitos desde então.

Segundo o despacho, a continuidade de procedimentos divergentes entre tribunais “não parece ter base constitucional”.

CNJ suspende promoção no TJ-DFT que descumpriu cota de gênero e indicou juiz à vaga de mulher para cargo de desembargador

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a suspensão da promoção por merecimento julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT) nesta terça-feira (24), que elevou um juiz do gênero masculino ao cargo de desembargador. A decisão foi proferida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, e pelo corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques, em razão do descumprimento da Resolução n. 525/2023. Esta norma estabelece uma ação afirmativa de gênero no acesso de magistradas aos tribunais de segundo grau.

Atualmente, o TJ-DFT conta com apenas 28,9% de mulheres no segundo grau, conforme dados do Painel de Dados de Pessoal do Poder Judiciário, que acompanha a implementação da resolução. A última promoção na Corte, que ocorreu por antiguidade, também foi de um juiz do sexo masculino.

NORMATIVA E BUSCA POR EQUILÍBRIO DE GÊNERO

A Resolução n. 525/2023 determina que, nos tribunais onde não há equilíbrio de gênero (com percentual inferior a 40% de mulheres no segundo grau), as promoções por merecimento devem alternar entre listas mistas e listas exclusivamente femininas. Segundo a norma, essa alternância visa garantir a paridade de gênero no acesso à magistratura de segunda instância e não pode ser compensada por promoções por antiguidade, mesmo que estas contemplem magistradas.

No entendimento do CNJ, a repetição de promoções por merecimento com candidatos do mesmo gênero, sem a devida alternância exigida pela resolução, configura violação ao artigo 1º–A da Resolução n. 106/2010, com a redação conferida pela Resolução n. 525/2023. Em função dessa irregularidade, foi determinada ao TJ-DFT a elaboração de uma nova lista para a promoção em questão, observando-se os critérios estabelecidos na legislação vigente.

O TJ-DFT foi intimado a prestar informações no prazo de cinco dias.