O dever de fidelidade voltou a chamar a nossa atenção quando foi noticiado que um casal mineiro acrescentou em seu pacto antenupcial uma cláusula de multa de R$ 180 mil reais em caso de traição de um ou de qualquer um dos futuros cônjuges, cujo pacto antenupcial precisou ser validado pela juíza titular da Vara dos Registros Públicos de Belo Horizonte, para autorizar a inserção de uma cláusula que compelisse o eventual traidor ao pagamento desta substancial multa. Muitas vezes estes acordos pré nupciais terminam escondendo a mais gravosa de todas as cláusulas que é a adoção de um regime convencional de separação de bens, para cuja a cláusula não precisa buscar qualquer autorização judicial.
Realmente não faz sentido que as pessoas possam renunciar livremente sua meação, e fazem isto usualmente em casamentos onde um dos futuros cônjuges tem muitas posses ou potencial para crescimento patrimonial e o outro, usualmente a mulher, terá a perspectiva da dependência financeira o o dever de fidelidade atrelado ao valor irrisório da indenização paga por quem não foi fiel, foi egoísta, como sempre foi desde quando excluiu seu consorte do projeto de crescimento patrimonial. Pode não ter sido a hipótese reportada na mídia, mas é fonte de grande parcela dos pactos antenupciais que dissimulam regimes convencionais de separação e tentam amenizar o impacto do nada por alguma eventual ou desproporcional compensação financeira.
Ademais de ser uma prática bastante comum, tampouco a notícia da indenização por ato de infidelidade deveria surpreender por ter o judiciário respeitado nossa autonomia privada, pois este é fato que nos ressente, não sendo crível que hipocritamente, parte apenas da nossa autonomia ainda seja claramente cerceada nas vias extrajudiciais ou judiciais, por aparente excesso de proteção do cidadão ou porque certas cláusulas poderiam parecer aberrantes ou atentatórias ao bem comum. Ora, as disposições patrimoniais contidas nos pactos antenupciais em previsão de ruptura sempre foram eficazes, a começar pela primeira delas que é exatamente a escolha do regime matrimonial de bens, só podendo ser aventada sua eficácia se forem gravemente prejudiciais para algum dos cônjuges, mas qual destas disposições pactícias poderia ser mais prejudicial do que a renúncia ao resultado material do meu esforço pessoal na aquisição de aquestos.
A lei reconhece e a jurisprudência convalida cláusulas de renuncia de bens, de alimentos compensatórios, do direito real de habitação e deveria igualmente reconhecer a precedente renúncia de direito hereditário concorrencial, como boa parcela doutrinária tem demonstrado em lógicas conclusões que transitam pelo respeito à autonomia privada das pessoas. Portanto, a proposição de disposições antenupciais constituindo créditos a favor do outro cônjuge como único motivo da ruptura matrimonial, não passa de um segundo grupo de idêntico conteúdo econômico, verdadeiras manifestações da autonomia da vontade no âmbito do direito de família, porém com limites distintos e até mesmo limitados, pois para quem adotou, por exemplo, um regime de separação convencional de bens, esta renúncia pessoal poderia ser compensada com a entrega de um imóvel residencial, ou com a formação de um capital em dinheiro, como forma de compensação com menos, pela renúncia do mais, e não necessariamente atrelar eventual ruptura à velha causa de um dever de fidelidade que deixou de ser causa da separação para ocupar o insosso status de dever moral e sem qualquer repercussão jurídica, mas que pode ter repercussão econômica em uma pacto antenupcial.
Aos meus olhos, o que deveria espantar é o fato de que alguém ainda precisou recorrer ao judiciário porque algum intérprete da lei atuou com exacerbado paternalismo ou com excesso de moralismo ao presumir que duas pessoas adultas e responsáveis não podem prestar consentimentos válidos ou compensarem suas renúncias. Casa quem quer, com quem quer e pelo tempo que quiser, elegendo de forma livre os efeitos econômicos de seus afetos.
Há muito tempo que a sociedade se faz credora de um sistema jurídico menos confinado, carente da efetiva margem de sua autonomia aplicada ao direito de família, potencializado a auto regulação dos futuros cônjuges em suas convenções antenupciais, a serem redigidas sem proibições legais e se porventura, ao tempo da ruptura da relação restar apurado que suas cláusulas ou parte delas realmente atentaram contra a ordem pública ou contra os bons costumes, pois se é verdade que o amor deixa marcas que não dá para apagar, talvez sejam marcas que o dinheiro e a previsão em momento de ruptura possam pagar.