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Reflexões iniciais sobre o novo crime de perseguição (stalking)

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Foi publicada nesta quinta-feira, 01.04.2021, a Lei nº 14.132, de 31 de Março de 2021, que alterou o Código Penal para inserir o art. 147-A, criminalizando a prática de perseguição obsessiva ou insidiosa – uma das denominações adotadas pela Comissão de Reforma do Código Penal durante as discussões dos projetos de leino parlamento.

Também conhecida pela expressão stalking, que em livre tradução do inglês corresponde a “espreitar”[1], a prática consiste no comportamento que leva o agente a perseguir a vítima de forma reiterada, provocando-lhe medo e angústia.O tema é relativamente novo no Brasil, mas em grande parte dos países desenvolvidosas primeiras legislações sobre o tema datam remontam à década de 1990. Com a popularização da tecnologia e integração de ferramentas tecnológicas em todos os setores da vida dos cidadãos, novas formas de stalking passaram a afligir indivíduos, o que vem sendo referido como cyberstalking[2].

O legislador brasileiro optou pela expressão“Perseguição”, tipificando a conduta de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. Além de incorporar tal conduta como ilícito no ordenamento jurídico penal, a Lei 14.132/21 cuidou de revogar o art. 65 da Lei das Contravenções Penais, que se mostrou ineficaz à proteção dos bens jurídicos sob risco. No texto da nova lei, a pena base foi estabelecida em 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de reclusão, e multa, em contraposição à pena de 15 dias a dois meses ou multa, que previa o Art. 65 da LCP.

Embora as discussões no legislativo tenham, em grande medida, se pautado pela ótica do combate à violência contra a mulher, em especial o feminicídio, o texto final que hoje entra em vigor é amplo, de modo a proteger qualquer pessoa independentemente de gênero. Assim, a vítima desse tipo de delito poderá ser homem ou mulher que tenha sua integridade física ou psicológica ameaçada, ou que sofra invasão de sua privacidade ou liberdade pessoal, em decorrência de perseguição reiterada. Importante frisar, contudo, que o inciso II do § 1º do Art. 147-Aprevê causa de aumento de pena caso o crime seja cometido contra mulher e em razão da especial condição do sexo feminino, e esta previsão se justifica porque as estatísticas internacionais apontam a mulher como principal vítima desse tipo de delito[3].

Quanto ao modus operandi, a lei criminaliza a prática de perseguição “por qualquer meio”, o que guarda coerência com a realidade atual em que as práticas criminosas têm se diversificado ou potencializado seus efeitos com a utilização de ferramentas tecnológicas, redes sociais, aplicativos de mensagens e dispositivos de vigilância.

Até então, para além do art. 65 da Lei das Contravenções Penais, o assunto também era tratado sob o prisma da Responsabilidade Civil, classificado como abuso de direito passível de causar dano moral e, consequentemente dever de indenizar. Com a criminalização específica da conduta, o que pode parecer uma alteração pontual, à primeira vista, traz grandes repercussões sociais e jurídicas. Até que a jurisprudência consolide entendimento sobre as inúmeras situações passíveis de serem enquadradas no Art. 147-A do Código Penal, a sociedade estará submetida a um elevado grau de insegurança jurídica, devido à alta carga de subjetividade das disposições da nova lei.

Nesse sentido, ilustra-se que o simples ato de cortejar ou demonstrar interesse em alguém, ou de buscar o outro insistentemente para resolver questões emocionais ou conflitos familiares, podem gerar reação desproporcional tendente a criminalizar abordagens até então socialmente aceitas. As partes estarão sujeitas à interpretação dos operadores do direito e ao exame das circunstâncias do caso concreto, o que certamente provocará impacto nos relacionamentos sociais, amorosos e familiares. Percebe-se, deste modo, a tendência de um verdadeiro choque cultural, com importantes desdobramentos jurídicos. Não seria exagero comparar o impacto da nova lei com as transformações trazidas pela Lei Maria da Penha, guardadas as devidas proporções. É de se esperar que campanhas oficiais possam despertar na sociedade a consciência sobre o tema, o que é importante sob o aspecto da cidadania mas, por outro lado, trarão como efeito inevitável a judicialização de conflitos antes tratados exclusivamente no âmbito do Direito Civil ou de Família.

Diante desse iminente cenário, é fundamental que os operadores do Direito, sobretudo os Advogados das áreas Cível e de Família, desenvolvam uma visão multidisciplinar para orientar seus clientes, atuando de forma ética na busca de conciliação e mediação de conflitos, e deixando ao Direito Penal o tratamento apenas das situações excepcionais, que representem riscos extraordinários à vítima, sob o risco de banalização da aplicação do direito.

Abaeté Mesquita, Advogado, sócio fundador de Brandão & Mesquita Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual/DF. Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS

[1]SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1334

[2]CASTRO, Ana Lara Camargo de; SYDOW, Spencer Toth.Stalking e Cyberstalking: Obsessão, internet, amedrontamento. V.2. Editora D’Placido. 2017.

[3]https://www.stalkingawareness.org/wp-content/uploads/2019/01/SPARC_StalkngFactSheet_2018_FINAL.pdf

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