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Justiça é favorável ao fretamento de ônibus enquanto MInfra tarda a rever regras

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Enquanto algumas decisões judiciais recentes apontam para o reforço da legalidade de modelos de negócios disruptivos, que usam da tecnologia para resolver problemas antigos, como no caso dos aplicativos intermediários para transportes, o Ministério da Infraestrutura age lentamente para rever diretivas ultrapassadas.

Uma das regras que mais travam a inovação no setor de transporte rodoviário é a do Circuito Fechado. De acordo com ela, as empresas devem, obrigatoriamente, transportar os mesmos passageiros nos trajetos de origem e destino (ida e volta), na mesma hora e data da viagem, conforme programação apresentada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Por meio da assessoria de comunicação, o Ministério da Infraestrutura afirmou que tanto a própria pasta quanto a ANTT “discutem o assunto de forma a encontrar as soluções mais apropriadas para evolução dos modelos de negócios”.

Dessa forma, a Infraestrutura justifica que não há inércia quanto ao tema. “A agência reguladora promove estudos com objetivo de estabelecer novo marco regulatório para o serviço de fretamento, tal como o transporte regular que está pleno desenvolvimento e na fase de consulta pública”, diz o Ministério da Infraestrutura, em nota.

No entanto, a principal categoria que representa as empresas do setor, a Abrafrec, entende que há sim falta de iniciativa por parte do MInfra. “Tínhamos uma expectativa de que as coisas iam andar, mas o que estamos vendo é que, mais uma vez, foram movimentos protelatórios”, destacou o presidente da Abrafrec, Marcelo Nunes.

A ideia, segundo o Ministério, é dar tempo e espaço para que os diferentes atores interessados participem do processo. “A medida tem como objetivo que todas as partes interessadas e a sociedade em geral tenham oportunidade de participar desde a fase de estudos até a consolidação dos atos normativos que regularão as atividades de transporte interestadual por fretamento.”

A nota não cita o relatório produzido em janeiro pelo Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (Seae), ou a fala do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ao setor, ainda em 2020. O documento do programa Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (FIARC) recomenda o fim da regra do circuito fechado, tida como um dos maiores entraves a serem enfrentados.

Segundo o relatório, a manutenção de tal norma representa um ônus regulatório da ordem de R$ 1 bilhão. O estudo foi produzido pelo governo federal depois de provocação da Buser. A empresa apontou que a regra de circuito fechado no transporte rodoviário de passageiros sob o regime de fretamento, prevista no Decreto no 2.521, de 1998, e na Resolução da ANTT 4.777, de 2015, restringe a forma pelo qual o agente privado deve prestar sua atividade e a liberdade de escolha e de contratação pelo usuário do serviço, além de gerar ociosidade da frota e da mão de obra, o que gera ineficiência.

Bolsonaro, em dezembro de 2020, recebeu pequenas e médias empresas que oferecem o serviço, e afirmou que analisaria a revogação do Decreto 2521/1998, que determina o circuito fechado. Na ocasião, ele chegou a ligar para o então ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas para tratar do tema e colocá-lo em contato com a comitiva.

Um ano e meio depois, a revisão não andou no Executivo. O setor ainda precisa recorrer ao Judiciário para desembaraçar atividades. E enquanto o MInfral não repensa as regras para o fretamento, a Justiça tem mostrado boa vontade em algumas decisões que compreendem a natureza da inovação, especialmente em estados populosos, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas não só.

Decisões favoráveis ao novo modelo

Em uma das decisões mais recentes, a Justiça do Espírito Santo determinou, em julho passado, o desbloqueio de R$ 45,3 milhões da Buser no estado. O juiz Marcelo Pimentel, da 10ª Vara Cível de Vitória, julgou improcedente os pedidos contra as fretadoras Aliança Turismo e a Transportadora Turística Natal, além contra a Buser, maior plataforma de intermediação de viagens rodoviárias do país. Para o magistrado, está claro que as empresas não operam de forma clandestina.

“Mesmo que houvesse a caracterização da frequência, essa não é especificidade do transporte regular de passageiros, uma vez que, trata-se de um raciocínio simples: se as demandadas realizam transporte por demanda, e as mesmas possuem diariamente em horários distintos certa quantidade de passageiros que desejam viajar para determinados destinos, elas não deveriam prestar tal serviço?”, questiona o magistrado, demonstrando a inadequação da regra do circuito fechado nos dias atuais.

Pimentel ponderou que restringir empresas a fazer um mínimo de viagens para que não sejam caracterizadas como transporte regular é, nas palavras dele, “contraproducente, pois nega o objetivo de desenvolvimento econômico necessário a qualquer modalidade de negócio”. Ele enfatizou, ainda, em vários pontos da decisão, que a Buser atua como intermediadora para as parceiras. O caso tramita com o número 0003189-17.2020.8.08.0024.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, em parecer assinado pela promotora de Justiça Sandra Rodrigues de O.M Barbuto, designada no cargo de 29º Procuradora de Justiça, opinou pelo não provimento de um recurso especial e de um recurso extraordinário ajuizados pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo contra decisão favorável à Buser.

Para a promotora, o acórdão do TJ-SP determinou que a Buser “não presta serviço de transporte rodoviário, mas é tão somente intermediadora entre passageiros e os prestadores de serviços, de modo que não é exigível a autorização estatal”, de forma que não se vislumbra negativa de vigência à legislação federal aplicada ao transportadores rodoviários.

“Percebe-se que, sempre que a conclusão foi diversa daquela pretendida pelo sindicato recorrente, atribuiu-se ao v. Acórdão omissão na apreciação e aplicação das normas que se entendiam incidentes”, criticou a promotora. O caso tramita com o número 1033775-97.2018.8.26.0053.

No fim de junho passado, a Justiça de Santa Catarina reformou decisão que proibia a oferta de serviços da Buser, startup que conecta empresas de fretamento e consumidores, e das próprias empresas de transporte que usam a plataforma para vender bilhetes. O entendimento é de que o estado não detém o monopólio do serviço de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros e que as atividades em questão são do âmbito privado.

O juiz Laudenir Fernando Petroncini, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Florianópolis, afirmou que, enquanto o serviço público de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros deve ser planejado, fiscalizado e controlado pela administração indireta do Poder Executivo, com execução podendo ser delegada a empresas particulares por meio de licitação, o serviço privado, de outro lado, independe de licitação.

“Basta que o interessado demonstre ao estado o cumprimento de determinados requisitos, que na espécie são aqueles estabelecidos na legislação mencionada”, escreveu o magistrado na decisão. Ele afirmou, ainda, que assim como o Estado não tem o monopólio sobre o serviço, também não o detêm as empresas tradicionais, representadas pelo sindicato que ajuizou a ação contrária à Buser.

Dias antes, no início do mesmo mês, a 3ª Vara Federal Cível de Minas Gerais proibiu a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem estadual (DER-MG) de impedir ou interromper viagens intermediadas pela plataforma Buser com o argumento de prestação clandestina de serviço público. O caso tramita com o número 1027611-88.2020.4.01.3800.

O estado havia imposto uma sequência de obstáculos à Buser. A sentença mineira serviu, inclusive, de fundamentação para a capixaba, tendo sido citada na parte em que afirma que não há no objeto social da empresa nenhuma referência à prestação de serviços de transporte terrestre. “Em outras palavras: o que a empresa Buser se propõe a fazer é o que efetivamente faz.”

O magistrado responsável pelo caso, Ricardo Machado Rabelo, entendeu que a Buser não atua como uma empresa de transportes intermunicipal ou interestadual e, portanto, a atividade é lícita. Por isso, não precisaria de autorização ou concessão do poder público para funcionar. “Seu agir, insisto, situa-se na fase antecedente ao transporte, conectando viajantes e empresas de fretamento de veículos, mediante a repartição dos cursos Mostra-se assim equivocada a alegação de que a impetrante realiza transporte irregular sob o manto da livre iniciativa”.

Rabelo entende o circuito fechado como “mera subespécie da modalidade fretamento, incapaz de obstar a existência do fretamento colaborativo, subespécie criada, a partir de iniciativa tecnológica, mediante o uso de aplicativo, como o da Buser”. Dessa forma, o magistrado defende caber ao Legislativo e ao Executivo estaduais disciplinarem juridicamente a nova subespécie de fretamento, de maneira a garantir a melhor e mais clara participação dos envolvidos.

Com informações do Jota

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